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A carne permanece no prato! Ao menos é o que indicam os oito países amazônicos reunidos em Belém (Pará), durante a Cúpula da Amazônia, realizada entre 08 e 09 de agosto. Apesar de avanços no fortalecimento da cooperação regional e no reconhecimento dos direitos dos povos indígenas, os líderes reunidos no Brasil perderam a oportunidade de dar um claro recado ao mundo que o desmatamento na Amazônia não será mais tolerado. Mais do que isso, a carta assinada pelos líderes amazônicos, em nenhum momento, cita como irá combater a principal vilã do desmatamento na Amazônia: a indústria da carne.
Atualmente, a conversão de terras para pastagem responde por cerca de 80% do desmatamento na região. Enfrentar a destruição causada pela indústria da carne, fruto de uma demanda global crescente por proteína barata, é imperativo para proteger a floresta, seus povos tradicionais e mitigar os piores efeitos das mudanças climáticas.
A expectativa para que o problema fosse tratado com a urgência que merece era grande. Os impactos negativos do agronegócio foram amplamente discutidos por inúmeras mesas organizadas pela sociedade civil, academia e o próprio setor privado durante a conferência Diálogos Amazônicos, que antecedeu a cúpula e elaborou propostas encaminhadas aos chefes de estado. Para contribuir com o debate, a Mighty Earth, em parceria com a Proteção Animal Mundial, organizou o evento paralelo “Agronegócio e desmatamento na Amazônia – consequências para o clima, fauna e saúde”, que discutiu como o setor da produção agropecuária impulsiona o desmatamento na Amazônia, destacando o impacto na vida silvestre e no clima.
Ao contrário do esperado, a Declaração de Belém não apresenta um compromisso reunindo os oito países em torno de uma meta única para alcançar o fim do desmatamento na região. O documento segue norteado por metas nacionais individuais, diferentes para cada país, que já haviam sido anunciadas anteriormente. Enquanto países como Brasil, Colômbia e Peru estão comprometidos, desde 2021, durante a 26ª Conferência do Clima das Nações Unidas (COP26), em atingir o desmatamento zero no bioma até 2030, outros como Bolívia e Venezuela não possuem metas tão claras para colocar fim a destruição da maior floresta tropical do planeta.
Nossa expectativa é que a cooperação regional fomente a criação de um sistema público de rastreabilidade, capaz de identificar os produtos cárneos que contaminam as cadeias de suprimentos com o desmatamento. A implementação de tal sistema permitirá encontrar os responsáveis pelo desmatamento e onde ele acontece. Só assim poderemos pressionar as empresas globais de alimentos a serem mais transparentes em suas cadeias produtivas, bloqueando fornecedores diretos e indiretos que estejam ligados as áreas desmatadas. A rastreabilidade da cadeia traz segurança tanto para a empresa comprometida em reduzir a sua pegada de carbono, quanto para o consumidor final de olho na sustentabilidade do planeta.
08.08.2023 – Protest during the Amazon Summit Foto: João Gonçalves
Esperamos que iniciativas mencionadas na Declaração de Belém, como a criação de uma Aliança Amazônica de Combate ao Desmatamento, evoluam para políticas públicas que combatam efetivamente o problema, mirando na regulação e fiscalização do uso da terra pelo agronegócio. Da mesma forma, esperamos que parte dos US$ 100 bilhões anuais que os países amazônicos pretendem mobilizar para financiamento climático sejam usados para esse fim.
É preciso ter claro que só chegaremos ao desmatamento zero em 2030 se combatermos as principais causas do problema. Sem enfrentar o impacto crescente da indústria da carne na destruição da floresta, o mundo não será bem-sucedido em conter o ponto de não-retorno da Amazônia, com perdas significativas não só para a biodiversidade da floresta e os povos originários que ela habitam, mas também para a humanidade como um todo, já que serviços ecossistêmicos essenciais prestados pela Amazônia serão perdidos definitivamente.