Povos indígenas em perigo no Brasil, processo contra o grupo varejista Casino avança na Justiça francesa

Sydney Jones

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Uma nova investigação da Mighty Earth revela que a violência, o desmatamento e a grilagem de terras ligados à pecuária bovina no território Uru-Eu-Wau-Wau, na Amazônia, ameaçam o futuro desse povo. Enquanto o processo contra o grupo varejista Casino entra na fase principal em Paris, a investigação mostra que Casino e Carrefour continuam vendendo, no Brasil, carne bovina oriunda de zonas de alto risco, onde a destruição da natureza persiste. 

“Vivemos em uma guerra constante, e poucos querem ter filhos em meio a uma guerra por disputa territorial. Agora presenciamos os invasores cada vez mais se apropriando de nosso território, matando os animais, e aí pensamos: como nossos filhos vão crescer com esse grande medo de serem atacados?”

Bitaté Uru-Eu-Wau-Wau, 2 de dezembro de 2024

Uma “guerra constante” de invasões de terra, violência, desmatamento e degradação — incluindo incêndios e pecuária ilegal — continua ameaçando o futuro dos povos indígenas do Brasil, segundo nova investigação da Mighty Earth. A comunidade indígena Uru-Eu-Wau-Wau (UEWW), no estado de Rondônia, na Amazônia, está sob constante pressão. O estudo revelou que em duas fazendas que fazem fronteira com o território indígena houve 44 hectares de desmatamento recente (entre abril e outubro de 2024), dos quais 40 hectares dentro da área de Reserva Legal, além de 58 alertas de incêndio, que avançaram sobre as terras UEWW em setembro passado.

A análise destaca ainda cinco outras comunidades indígenas na Amazônia e no Pantanal igualmente ameaçadas pela expansão da pecuária.

As fazendas identificadas no relatório fizeram parte da cadeia de fornecimento indireta ou direta dos gigantes brasileiros da carne JBS, Marfrig e Minerva, que fornecem carne bovina para grandes supermercados brasileiros como GPA/Casino¹, Carrefour e Assaí/Sendas. A publicação coincide com novos dados que revelam um aumento de 92% no desmatamento na Amazônia em maio de 2025 em comparação a maio de 2024.

 

O papel dos varejistas

Apesar de três anos de alertas regulares enviados pela Mighty Earth, Carrefour, GPA/Casino e Assaí/Sendas ainda vendiam, em 2024, produtos bovinos provenientes de frigoríficos localizados em zonas de alto risco de desmatamento. Em 2024, foram identificados 70 produtos bovinos oriundos do Estado de Rondônia nas lojas dessas redes, 83% dos quais ligados a frigoríficos da JBS, incluindo as unidades de Pimenta Bueno e Vilhena, associadas à compra de gado criado ilegalmente dentro do território Uru-Eu-Wau-Wau, segundo relatórios anteriores¹.

Mas houve alguns avanços: o Carrefour suspendeu mais de 800 fornecedores e lançou uma plataforma de transparência florestal. A Marfrig comprometeu-se com uma cadeia livre de desmatamento e conversão até o fim de 2025 e lançou um mecanismo público de denúncias. Por outro lado, nenhuma ação pública significativa foi tomada pelo grupo Casino, nem houve resposta que demonstrasse um gerenciamento eficaz dos riscos identificados.

 

Processo judicial contra o grupo Casino

O relatório Rapid Response #5 será apresentado como prova adicional no processo baseado na Lei do Dever de Vigilância da França contra o grupo Casino. Ele revela graves violações dos direitos dos povos indígenas e casos persistentes de desmatamento, confirmando falhas mesmo após alertas anteriores. As organizações envolvidas solicitam reparação num momento em que o grupo Casino não detém mais o controle das lojas varejistas do Brasil (GPA) e da Colômbia (Exito). A análise do mérito do caso começa no Tribunal Judicial de Paris.

 

A luta pela sobrevivência dos Uru-Eu-Wau-Wau

O território indígena Uru-Eu-Wau-Wau tem sido alvo de ataques há vários anos, incluindo o assassinato de Ari Uru-Eu-Wau-Wau em abril de 2020. Em 2023, membros da comunidade e ativistas ambientais foram feitos reféns durante uma emboscada.

Bitaté Uru-Eu-Wau-Wau, presidente da associação indígena UEWW, relata que a população da comunidade está diminuindo:

“Nos últimos cinco anos, por causa das invasões, nossa população tem diminuido. Temos tido mortes precoces, inclusive por defender o território”.

Entre 2001 e 2024, 20.731 hectares — o equivalente a duas vezes o tamanho de Paris — foram desmatados dentro do território UEWW, segundo o sistema de monitoramento florestal do governo brasileiro, PRODES. A situação é crítica na região chamada PAD Burareiro, onde mais de 70% do território era usado para pecuária em 2022.

“Não podemos acessar nossos espaços sagrados, como a região do Burareiro, que era um cemitério sagrado onde estavam os ossos de alguns de nossos ancestrais. A presença de invasores, suas casas e fazendas nos proíbe de visitar locais que eram sagrados para nós, Uru Eu Wau Wau, e o gado ainda fica pisoteando nossos mortos”, lamenta Bitaté.

 

“Zonas de amortecimento” desprotegidas

Ao redor dos territórios indígenas legalmente reconhecidos existem as chamadas zonas de amortecimento, onde toda atividade humana, como a pecuária, deveria ser rigorosamente regulada. Mas fronteiras mal definidas e fiscalização ineficaz transformaram essas áreas em “zonas sem lei”, sem proteção real para as comunidades indígenas na linha de frente do desmatamento.

João Gonçalves, diretor de campanhas de transição proteica da Mighty Earth, afirma:

“Os povos indígenas são os guardiões da floresta e da biodiversidade amazônica. No entanto, estão sendo atacados e enfraquecidos por forças muito poderosas, que buscam expandir as práticas destrutivas da indústria da carne, de forma ilegal, colocando em risco suas vidas.”

“Essas violações de direitos humanos e essa guerra contra a natureza não podem ser ignoradas. É urgente melhorar a vigilância sobre as zonas de amortecimento e terras ancestrais para proteger os povos indígenas e impedir que a Amazônia atinja um ponto de não retorno irreversível.”

 

Outros dados importantes

  • Os frigoríficos JBS, Marfrig e Minerva, fornecedores do Carrefour, Grupo Mateus, Assaí/Sendas e GPA/Casino, estão ligados a 851.121 hectares de desmatamento e conversão de ecossistemas na Amazônia e no Cerrado entre 2009 e 2024, o equivalente a mais de um milhão de campos de futebol.
  • 54% desse desmatamento tem origem em fornecedores indiretos.
  • A JBS é responsável por 83% das áreas impactadas.
  • As cinco fazendas analisadas no relatório somam 3.966 hectares de desmatamento recente.
  • Foram escaneados 1.409 produtos de carne bovina em 100 supermercados brasileiros, utilizando o aplicativo Do Pasto ao Prato, entre fevereiro e dezembro de 2024.
  • 55% dos produtos bovinos escaneados no Carrefour estavam ligados à JBS.

 

Nossas exigências

  • Frigoríficos devem suspender imediatamente qualquer fazenda envolvida com desmatamento ou conversão de ecossistemas e monitorar ativamente as zonas de amortecimento dos territórios protegidos.
  • Varejistas e frigoríficos devem publicar e acompanhar publicamente todos os casos de desmatamento, conversão e violações de direitos humanos por meio de um mecanismo público de denúncias.
  • Frigoríficos com forte ligação ao desmatamento entre 2021 e 2024 devem ser suspensos até comprovarem que suas cadeias de suprimento estão livres de destruição ambiental.
  • Varejistas devem encerrar imediatamente qualquer relação comercial com frigoríficos envolvidos em práticas destrutivas persistentes.
  • Varejistas devem divulgar publicamente o volume e a origem de seus produtos de carne bovina, incluindo dados dos frigoríficos, das fazendas fornecedoras diretas e indiretas, bem como a proporção de produtos certificados como livres de desmatamento/conversão por auditoria independente.

Notas à redação

Programa Rapid Response

A Mighty Earth, em parceria com a AidEnvironment e utilizando o aplicativo Do Pasto ao Prato, publica aqui seu 5º relatório do programa Rapid Response, que busca cessar rapidamente o desmatamento, pressionando empresas e varejistas a cortar laços com fornecedores envolvidos. O programa também alerta autoridades públicas, instituições financeiras e fabricantes de ração animal.

Os relatórios são trimestrais e estão disponíveis no site Soy & Cattle Deforestation Monitor.

Sobre a Mighty Earth

A Mighty Earth é uma organização internacional de defesa ambiental que luta por um planeta vivo. Nosso objetivo é proteger metade da natureza da Terra e garantir um clima compatível com a vida. Nossa equipe atua com impacto real, pressionando grandes indústrias globais de óleo de palma, cacau, borracha e outras a reduzirem o desmatamento e a poluição, enquanto melhora as condições de vida de comunidades indígenas e locais.

www.mightyearth.org

 

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